Características clínicas e desfechos de pacientes hospitalizados com COVID-19 no Brasil: resultados do Registro COVID-19 Brasileiro

Resenha do artigo:
M.S. Marcolino, P.K. Ziegelmann, M.V.R. Souza-Silva et al., Clinical characteristics and outcomes of patients hospitalized with COVID-19 in Brazil: Results from the Brazilian COVID-19 registry, Int J Infect Dis, https://doi.org/10.1016/j.ijid.2021.01.019.

A América tem sido o epicentro da pandemia da doença coronavírus 2019 (COVID-19), e o Brasil ocupa o terceiro lugar mundial em termos de número total de casos de COVID-19 e o segundo em número de mortes. O impacto do COVID-19 foi devastador para o país, com todas as regiões e estados sendo afetados (Barberia e Gómez, 2020, Cimerman et al., 2020). O país é muito heterogêneo em termos de clima, economia, acesso à saúde e demografia populacional. No geral, a população do Brasil é altamente heterogênea e há vários níveis de ancestrais genéticos africanos, europeus, asiáticos e indígenas (Marson e Ortega, 2020). Devido às diferenças nos perfis epidemiológicos, condições socioeconômicas e climáticas, não é possível prever se as características clínicas dos pacientes internados por COVID-19 e os determinantes da gravidade da doença no Brasil serão os mesmos observados na China e Europa (Bambra et al., 2020). Determinar as características dos pacientes com COVID-19 hospitalizados, a necessidade de recursos e seus resultados clínicos é de extrema importância para apoiar a tomada de decisão clínica e a gestão da saúde pública. Portanto, realizamos um estudo multicêntrico com o objetivo de caracterizar as características clínicas, laboratoriais e de imagem de pacientes com COVID-19 internados em hospitais brasileiros, bem como registrar seus resultados. Além disso, exploramos os fatores de risco associados à mortalidade intra-hospitalar.

O Registro COVID-19 brasileiro é um estudo retrospectivo, multicêntrico e observacional. É uma parceria entre 36 hospitais brasileiros. No momento deste estudo, 25 dos hospitais estavam participando ativamente. Esses hospitais estão localizados em 11 cidades diferentes de três estados brasileiros (Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo). Doze são hospitais públicos, cinco são hospitais que prestam serviços exclusivamente privados e oito são hospitais “mistos” que prestam serviços públicos e privados. O estudo em andamento está sendo conduzido de acordo com um protocolo predefinido.

Obteve-se uma amostra de 2.054 pacientes que foram incluídos na análise. Os homens representaram 52,6% da amostra, com mediana de idade de 58 anos (IIQ = 46–69), e as mulheres, mediana de 60 anos (IIQ = 48–73; p = 0,003). A taxa de mortalidade hospitalar foi de 22,0% (intervalo de confiança de 95% [IC] = 20,2–23,9%), e o tempo médio entre a admissão e o óbito foi de 12 dias (IIQ = 6–18). De maneira geral, não houve diferença entre homens e mulheres em relação à mortalidade hospitalar (22,9% vs. 21,1%, p = 0,322), embora tenha sido maior para os homens a cada 10 anos até 69 anos. No geral, 79,8% dos pacientes tinham pelo menos uma comorbidade. A mortalidade daqueles que tinham pelo menos uma comorbidade foi maior do que aqueles que não tinham nenhuma (25,5% vs 8,6%, p  <0,001). Além disso, o número médio de comorbidades foi maior entre aqueles que morreram em comparação com aqueles que sobreviveram (2 comorbidades [IQR = 1–3] vs. 1 comorbidade [IQR = 1–2], p  <0,001). Hipertensão (52,9%), diabetes mellitus (DM; 29,2%) e obesidade (17,2%) foram as comorbidades mais frequentes. Pacientes que morreram eram mais propensos a ter doenças cardiovasculares, DM, doença pulmonar obstrutiva crônica, doença renal crônica e câncer.

Dos 2.054 pacientes, 52,8% eram procedentes de hospitais públicos, 21,4% privados e 25,8% mistos. A mortalidade foi maior nos hospitais mistos (26,2%) e públicos (24,7%) em comparação aos privados (10,8%, p  <0,001). Os pacientes nos hospitais privados eram mais jovens (idade mediana = 55 anos [IIQ = 43–67]) e tinham um número menor de comorbidades (número médio de comorbidades = 1 [IIQ = 0–2]) do que os pacientes nos hospitais públicos (idade mediana = 59 anos [IIQ = 47–71]; número médio de comorbidades = 2 [IIQ = 1-3]) e os hospitais mistos (idade mediana = 62 anos [IIQ = 49–74], p  <0,001; número médio de comorbidades = 2 [IIQ = 1-3], p  <0,001).

Tosse (65,1%), dispneia (61,6%) e febre (59,0%) foram os sintomas mais comuns à apresentação hospitalar. Dispneia e comprometimento neurológico no momento da admissão hospitalar foram mais comuns entre os pacientes que morreram. Durante a internação, 41,4% foram tratados em UTI, 32,5% necessitaram de ventilação mecânica invasiva, 12,1% foram tratados com terapia de substituição renal e 0,3% foram colocados em oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO). A mortalidade para aqueles que necessitaram de ventilação mecânica invasiva foi de 59,5%. Dos 860 pacientes admitidos na UTI, a mortalidade foi de 47,6%. Entre os 70,4% que necessitaram de ventilação mecânica invasiva, a duração mediana da ventilação mecânica foi de 10 dias (IIQ = 6–16; variação = 0–63).

A mortalidade geral foi de 22,0%, semelhante à encontrada em estudos na Espanha e na Itália (Borobia et al., 2020, Giacomelli et al., 2020), mas superior aos estudos nos EUA, Ásia, França, Irã, Japão, Rússia, Turquia e República Democrática do Congo. A redução da mortalidade de pacientes com COVID-19 hospitalizados requer intervenção médica precoce. Portanto, os médicos precisam identificar rapidamente os pacientes que apresentam maior risco de resultados adversos. Este estudo revela as características e evolução intra-hospitalar de pacientes hospitalizados com COVID-19 confirmado no Brasil. Certos parâmetros facilmente avaliados na admissão hospitalar foram independentemente associados a um maior risco de morte.

Esta pesquisa contou com o financiamento da FAPEMIG, IATS e CNPQ, que foi essencial para a execução da pesquisa, pois possibilitou a atuação de bolsistas que apoiaram na organização do projeto, coleta e revisão de dados e formatação de artigos.  Instituições como a FAPEMIG, IATS e CNPQ são fundamentais para o desenvolvimento do conhecimento científico e desenvolvimento do país.

Elaborada por
Milena Soriano Marcolino
Luana Martins Oliveira
Data da Resenha
09/06/2021
Eixo Temático
Doenças Infecciosas e Tropicais
Eixo Metodológico
Pesquisas Epidemiológicas

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