Tratamento da hidrocefalia em crianças é tema de estudo do IATS

Projeto está desenvolvimento no Centro IATS da Universidade Federal de Goiás (UFG)

A avaliação de uma tecnologia em saúde analisa aspectos legais, sociais e éticos através de atributos básicos como efetividade, eficácia, segurança e custo. Com a inovação e o rápido avanço das tecnologias, os dispositivos médicos são atualmente uma das indústrias que mais crescem. Entretanto, eles carregam consigo um certo grau de risco e podem causar problemas em determinadas ocasiões. O conjunto de Derivação Ventrículoperitonial (DVP) é uma dessas tecnologias. É uma das mais usadas atualmente para tratar pacientes com hidrocefalia.

A hidrocefalia

Pode ser definida, de um modo geral, como um distúrbio da formação, do fluxo ou da absorção do líquido cefalorraquidiano (LCR), com consequente aumento do seu volume no sistema nervoso central. Várias são as causas de hidrocefalia, incluindo trauma, infecção, hemorragia, tumores e síndromes genéticas, variando em função da idade. Trata-se de uma condição crônica associada a muitas comorbidades e a alta mortalidade. A taxa de letalidade hospitalar para as crianças com hidrocefalia é de 2,6%, comparada com 0,4% dos pacientes sem hidrocefalia. Quando não tratada, a hidrocefalia pode evoluir para lesão neurológica progressiva e óbito, sendo que o diagnóstico precoce e o tratamento cirúrgico possibilita a resolução completa da condição.

A prevalência global da hidrocefalia é maior em crianças e idosos (88 e 175 por 100.000 pop, respectivamente) e menor em adultos (11/100.000 pop). As causas mais comuns de hidrocefalia em pacientes pediátricos são neoplasias, hemorragia intraventricular e também causas congênitas, geralmente associadas a fatores de risco maternos tais como diabetes, multiparidade e uso de antidepressivos. Países em desenvolvimento possuem uma incidência maior de hidrocefalia congênita quando comparado aos países desenvolvidos (123 e 90 por 100.000 nascimentos, respectivamente).

O tratamento

Desde a década de 70, com o desenvolvimento de novas tecnologias para o diagnóstico precoce e tratamento da hidrocefalia em crianças, houve melhora significativa do prognóstico e redução dramática da morbidade e mortalidade associadas. O tratamento padrão consiste na DVP, no qual o líquido cefalorraquidiano do ventrículo cerebral é drenado para o peritônio em um fluxo unidirecional graças a um sistema de válvula. Este procedimento se configura como o procedimento mais realizado pelos neurocirurgiões globalmente na atualidade.

De fato, a realização da DVP para evitar sequelas associadas à hidrocefalia apresentou menor razão de custo-efetividade quando comparado a outras intervenções comumente usadas como terapia anti-retroviral para HIV, cirurgia ortopédica para fraturas de ossos longos e até terapia com aspirina para doenças cardíacas isquêmicas.  No entanto, a DVP está associada a altas taxas de falha, chegando a 40% no primeiro ano e 50% em 2 anos. A “falha de DVP”, definida como um evento que resulta na necessidade de uma cirurgia de revisão, impõe um encargo substancial para os pacientes e para o sistema de saúde, em função do alto custo associado.

A obstrução, ou seja, a diminuição ou parada do fluxo de drenagem devido a oclusão em qualquer ponto do lúmen do sistema de derivação, é a causa mais frequente e pode ocorrer tanto precoce quanto tardiamente. Causas precoces comuns são as falhas mecânicas secundárias à desconexão dos componentes do sistema bem como à migração ou ao mal posicionamento dos mesmos. Outra falha mecânica, a fratura de cateter, é uma das causas de disfunção tardia. Pode também ocorrer tardiamente a hiperdrenagem e a loculação dos ventrículos. Outras causas possíveis são as complicações abdominais, notadamente o pseudocisto, a ascite e a perfuração visceral.

Evidências

Evidências da literatura sugerem que diversos fatores são associados às falhas de derivação, a saber: pacientes muito jovens (particularmente com menos de 6 meses de idade), presença de cardiopatias crônicas complexas, mielomeningocele, hemorragia intraventricular, tumor, história de meningite, prematuridade, existência de necessidade revisão de DVP prévia ou menores intervalos entre as revisões e a presença de ventriculomegalia ou ventrículos em fenda em exames de imagens de pacientes com derivações funcionando normalmente.

O conjunto para DVP é composto de 3 partes: o cateter proximal (inserido no ventrículo), a válvula e o cateter distal (inserido no peritônio). A válvula tem a função de manter o fluxo unidirecional (da cabeça para o abdome) e possui diversos tipos de funcionamento: reguladas por pressão fixa, por pressão programável, válvulas com limitação de fluxo de resistência variável e válvulas com dispositivo anti-sifão.

Há diversos estudos avaliando a segurança e a efetividade de tipos e modelos diferentes de válvulas estrangeiras apresentando resultados controversos. No Brasil, existem variados conjuntos para DVP registrados na ANVISA para uso pediátrico, incluindo produtos de tipos, fabricantes e modelos diferentes, tanto importados quanto produzidos nacionalmente. No entanto, até o momento, não há na literatura estudos avaliando as válvulas nacionais.
Portanto, há uma lacuna de estudos que avaliem a segurança e custo-efetividade do uso das válvulas registradas para uso no país. A obtenção dessas informações é fundamental para definir a melhor tecnologia a ser utilizada, considerando efetividade, segurança, custos, custo-efetividade e impacto orçamentário.

Projeto

A tomada de decisões em saúde é feita com foco no melhor resultado para o paciente. Porém, a qualidade e o acesso aos serviços de saúde estão sujeitos a questões econômicas que não podem ser negligenciadas. O arsenal tecnológico disponível se amplia progressivamente, dificultando a função dos gestores de saúde de escolher quais equipamentos e intervenções são mais eficazes por um custo condizente à realidade do Sistema Único de Saúde (SUS). Considerando as altas taxas de falha de DVP e a morbimortalidade associadas a esse desfecho, um estudo sobre a segurança dos variados conjuntos de DVP disponíveis no Brasil é fundamental para subsidiar profissionais de saúde e gestores no uso e incorporação desta tecnologia amplamente utilizada.

São objetivos avaliar a efetividade e segurança de válvulas para DVP registradas para uso no Brasil em crianças com hidrocefalia, mensurar a taxa de complicação de válvulas para DVP registradas para uso no Brasil por causas não infecciosas em crianças com hidrocefalia, incluindo obstrução, falha mecânica, loculação ventricular, hiperdrenagem e complicações abdominais e, ainda, identificar fatores associados à maior segurança e efetividade de válvulas para DVP registradas para uso no Brasil em pacientes pediátricos.

Texto e edição: Luiz Sérgio Dibe

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