Tempo de tela e alimentação não saudável impulsionam obesidade e risco para o desenvolvimento de síndrome metabólica na adolescência

Prevalência de síndrome metabólica entre adolescentes é de 2,5% no Brasil

Vivemos cercados por telas. Televisão, videogame, computador, tablet e smartphone fazem parte do cotidiano, representando um componente importante do trabalho, da educação, da informação e do entretenimento na atualidade. Todavia, ao mesmo tempo em que adotamos esse estilo de vida cercado por tecnologias e seus efeitos positivos, a literatura científica tem mostrado a associação entre o excesso de tempo em frente às telas com a crescente epidemia de obesidade infantil e o aumento do risco para desenvolvimento de síndrome metabólica em adolescentes.

A síndrome metabólica é definida pela presença simultânea de múltiplos fatores de risco cardiovasculares, tais como: obesidade, pressão alta e altas taxas de colesterol e de açúcar no sangue. Essa síndrome afeta cerca de 25% da população adulta e aproximadamente 5% das crianças e dos adolescentes nos Estados Unidos. No Brasil, a prevalência de síndrome metabólica entre adolescentes é de 2,5%, porém a presença de seus componentes individuais é muito mais frequente.

Nesta perspectiva, pesquisadores do Instituto de Avaliação de Tecnologia em Saúde (IATS) tem atuado, através de sua participação no Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA), em projetos que buscam constituir evidências sobre o tema. Numa destas frentes, os pesquisadores indicam evidências de que o sedentarismo diante da tela, somado ao consumo de alimentos não saudáveis – caracterizados por petiscos e guloseimas -, está relacionado com manifestação precoce de síndrome metabólica e de condições adversas ao desenvolvimento dos jovens.

“O tempo de tela têm sido estudado como um potencial novo fator de risco para alterações cardiovasculares e metabólicas. Vários estudos mostram o comportamento sedentário como um fator adicional de risco cardiovascular. Observamos que o tempo diante da tela passou a ser uma das formas de sedentarismo e que este comportamento se relaciona a hábitos não saudáveis de alimentação. Por conta disso, nosso grupo de pesquisa investigou a associação entre tempo de tela e síndrome metabólica  e verificou se esta associação pode ser modificada pelo consumo de petiscos não saudáveis em frente às telas entre adolescentes brasileiros”, aponta o educador físico e doutor em Endocrinologia Felipe Cureau, pesquisador do IATS.

O estudo, publicado na última edição do International Journal of Behavioral Nutrition and Physical Activity, com título “Unhealthy snack intake modifies the association between screen-based sedentary time and metabolic syndrome in Brazilian adolescents”, incluiu dados de 33,9 mil adolescentes com idade entre 12 e 17 anos, residentes nas capitais e em municípios com mais de 100 mil habitantes em todos os estados brasileiros. Os participantes foram submetidos a questionário detalhado sobre perfil sócio-demográficas e hábitos de vida. Além disso, tiveram amostras de sangue coletadas para análise.

“Inicialmente observamos um aumento na chance da presença de síndrome metabólica entre aqueles adolescentes que relataram passar 6 horas ou mais por dia em frente às telas. Em seguida, voltamos nossa atenção para os hábitos alimentares dos adolescentes e verificamos que a associação entre tempo e consumo de petiscos não saudáveis representa maior risco para o desenvolvimento de síndrome metabólica”, descreve a fisioterapeuta e doutora em Endocrinologia Camila Schaan, coautora do estudo.

Os pesquisadores explicam que foram considerados petiscos não saudáveis alimentos processados e ultraprocessados como salgadinhos, biscoitos, pipocas e frituras, sem detalhamento sobre quantidades consumidas. Apenas o próprio consumo associado ao hábito da tela. Cerca de 85% dos 33,9 mil adolescentes incluídos informaram consumir esse tipo de alimentação enquanto passam de 2 horas a mais de 6 horas por dia diante da TV, do computador ou do videogame.

A síndrome metabólica para aqueles que ficam até 2 horas por dia em frente às telas foi constatada em 1,9% dos adolescentes. Em 3% para os que ficam entre 3 horas e 5 horas. E em 3,3% daqueles que passam mais de 6 horas diante da TV, computador ou videogame. Conforme os pesquisadores, os resultados apontam que a relação entre tempo de tela, consumo de petiscos não saudáveis e saúde cardiovascular e metabólica em adolescentes pode ser considerada sinérgica ou, no mínimo, complementar.

“O tempo sedentário elevado baseado na tela está associado positivamente à síndrome metabólica (SM), mas essa associação permanece significativa apenas entre os adolescentes que relatam lanches na frente das telas. Nossos resultados sugerem que estratégias para abordar a SM na população adolescente devem ter como objetivo limitar lanches não saudáveis enquanto estão na frente de uma tela. Essa estratégia pode reduzir a força da associação entre o tempo total de tela e a SM entre os adolescentes”, conclui o estudo, o qual foi supervisionado pela Profa. Dra. Beatriz Shaan (UFRGS/HCPA/IATS) e teve colaboração de pesquisadores da Universidade do Texas, nos Estados Unidos.

Por fim, os pesquisadores destacam que diversas organizações de saúde fazem recomendações para limitar o tempo de tela diário entre jovens e reconhecem que não é fácil seguir essas recomendações na prática. Portanto, defendem que limitar o consumo de alimentos não saudáveis em frente às telas pode ser uma estratégia de mais fácil execução do que proibir tais atividades. Além disso, programas para reduzir o tempo de tela e adotar políticas de incentivo à alimentação saudável através da mídia – como restringir propagandas de fast food durante programas infantis – podem auxiliar na melhora da saúde metabólica desta população, sustentam.

O ERICA

Trata-se de um estudo multicêntrico nacional, cujo objetivo é conhecer a proporção de adolescentes com diabetes mellitus e obesidade, assim como traçar o perfil dos fatores de risco para doenças cardiovasculares (como níveis de lipídios e pressão arterial, entre outros) e de marcadores de resistência à insulina e inflamatórios nessa população. Para isso, foram avaliadas as condições de saúde de cerca de 75 mil estudantes entre 12 e 17 anos, de 1.247 escolas brasileiras, públicas e particulares, distribuídas pelas 122 cidades participantes, incluindo todas as capitais e municípios com população superior a 100 mil habitantes.

De acordo com a proposta científica, os resultados obtidos pelo ERICA poderão ajudar a reorientar as políticas públicas de educação e saúde voltadas para os jovens brasileiros, a partir da identificação de vulnerabilidades e necessidades dessa população. Além de apresentar um panorama do estado atual da saúde dos nossos jovens, permitirão, ainda, definir padrões nacionais para algumas características físicas na população de 12 a 17 anos como, peso, altura, pressão arterial e circunferência da cintura, o que será importante para diversas outros estudos no futuro.

Visitando o Portal do ERICA, gestores, profissionais de saúde e pesquisadores podem acessar algumas das Publicações com resultados do estudo e outras divulgações. Outra forma de buscar mais informações científicas é a procura pelos artigos vinculados aos nomes dos pesquisadores integrantes da Equipe.

Texto, foto e edição: Luiz Sérgio Dibe

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