Custo-efetividade do tratamento anti-hipertensivo em pacientes de 80 anos ou mais na Suíça

Resenha do artigo:

Szucs TD, Waeber B, Tomonaga Y. Cost-effectiveness of antihypertensive treatment in patients 80 years of age or older in Switzerland: an analysis of the HYVET study from a Swiss perspective. J Hum Hypertens. 2010 Feb;24(2):117-23. doi: 10.1038/jhh.2009.47. Epub 2009 Jun 18. PMID: 19536166; PMCID: PMC3011095.

Hipertensão é um fator de risco para doença cardiovascular, tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento. O aumento da longevidade e da prevalência de fatores de risco – obesidade, por exemplo – afetam a mortalidade e morbidade decorrente de eventos cardiovasculares, mas hipertensão persiste como o maior desafio para saúde pública. O tratamento anti-hipertensivo reduz o risco relativo para mortalidade em adultos jovens e idosos, apresentando benefício significativo. Porém, há poucos estudos confirmando a efetividade do tratamento em indivíduos com mais de 80 anos, ainda que nesse subgrupo ocorram mais da metade dos óbitos relacionados à hipertensão.

O estudo de Szucs e col. apresenta análise retrospectiva de custo-efetividade (ACE) do tratamento anti-hipertensivo em pacientes com 80 anos ou mais sob a perspectiva do sistema de saúde suíço, baseado no estudo Hypertension in the Very Elderly Trial (HYVET). O objetivo principal do estudo foi avaliar o custo-efetividade do tratamento anti-hipertensivo, comparado a ausência de tratamento, em pessoas com mais de 80 anos.

No estudo HYVET original, Becket e col. (2008) investigaram o benefício clínico de tratar pacientes hipertensos em ensaio clínico randomizado, multicentrico, duplo-cego e controlado por placebo. Foram arrolados 3845 pacientes com 80 anos ou mais, acompanhados por dois anos, para avaliar o efeito do tratamento anti-hipertensivo com 1.5mg de Indapamida SR (sustained release), adicionando 2-4mg de perindopril, se necessário, para atingir pressão arterial ≤150/80 mm Hg. Os resultados demonstram evidência de benefício no tratamento de idosos com mais de 80 anos com Indapamida SR, com ou sem Perindopril. No tratamento ativo houve redução de 30% na incidência de acidente vascular cerebral (AVC) fatal e não fatal (IC95%: -1 a 51; P=0,06); redução em 21% das taxas de mortes por qualquer causa (IC95%: 4 a 36; P=0,02) e 23% por causa cardiovascular (IC95%: -1 a 40; P=0.06), e, por fim, redução de 64% nos casos de insuficiência cardíaca. E expectativa de vida adicional de 0,0457 anos (16-17 dias) no grupo intervenção.

A análise de custos, aqui apresentada sob a perspectiva do sistema de saúde suíço, considerou os custos diretos de acordo com quatro grupos: i) os custos dos medicamentos de acordo com as dosagens usadas no estudo HYVET; ii) o custo agudo e de dois anos de seguimento de infarto do agudo do miocárdio; iii) o custo agudo e de dois anos de seguimento de um AVC; iv) o custo de insuficiência cardíaca em dois anos de seguimento. Para os eventos cardiovasculares foram considerados os custos de medicamentos, intervenções, hospitalização, tratamento ambulatorial e reabilitação. O preço dos medicamentos baseou-se no adotado na venda do varejo suíço e os autores utilizaram as frequências, doses e combinações utilizadas no HYVET, assumindo adesão de 100% e com ajuste para o ano de 2007, pela inflação suíça. Além disso, foi utilizada taxa de desconto de 5% a.a. para corrigir os custos. Os custos indiretos e intangíveis não foram avaliados.

O critério de efetividade do tratamento baseou-se em anos de vida salvos (YOLS) e a expectativa média de vida dos indivíduos idosos foi estimada pelo método de aproximação exponencial descendente da expectativa de vida (DEALE). Aplicando-se esse método aos dados do HYVET, foram estimados 1,84 anos de expectativa de vida ajustada.

A análise de custo-efetividade foi baseada no custo por anos de vida salvo, calculado pela diferença de custos com desconto entre o grupo intervenção e o placebo, dividido pelo número de anos de vida salvos, atribuído à Indapamida. Cada paciente no grupo de tratamento ativo teve custo adicional de 841 CHF (francos suíços) por dois anos – o equivalente a 1,15 CHF por dia – decorrente do tratamento anti-hipertensivo, mas houve economia em função dos desfechos analisados (infarto do miocárdio, AVC e insuficiência cardíaca) de 1666 CHF por paciente. O custo total do tratamento do grupo placebo foi de 2544 CHF. Assim, a diferença de custos totais entre os dois tratamentos foi 37 CHF por paciente durante dois anos, a favor do tratamento ativo. O cálculo da efetividade resultou em uma expectativa de vida adicional de 0,0457 anos (16-17 dias) no grupo que recebeu tratamento ativo. Análise de sensibilidade foi feita utilizando número de anos de vidas salvos, custo dos medicamentos anti-hipertensivos e dos tratamentos de AVC, infarto do miocárdio e insuficiência cardíaca, que foram variados em ±20%. O tratamento anti-hipertensivo para adultos idosos com mais de 80 anos, baseado no estudo HYVET, sob a perspectiva do sistema de saúde suíço, reduziu a incidência de AVC e insuficiência cardíaca, aumentando a expectativa de vida em 0,0457 anos por paciente apresentando também redução líquida de custos, isto é, trata-se de uma estratégia dominante.

Os autores ressaltam que o HYVET também avaliou função cognitiva, demonstrando evidências da influência positiva do tratamento para hipertensão sobre a incidência de demência. Porém, os autores não incluíram esse item na ACE, sendo necessário observar que os custos monetários e psicológicos para o cuidado de pessoas com demência são muito altos, o que se depreende que a análise subestimou a relação de custo-efetividade do tratamento anti-hipertensivo. Os custos dos tratamentos do AVC, do infarto do miocárdio e da insuficiência cardíaca foram estimados por meio de painel de especialistas, o que tornou a análise menos robusta metodologicamente.

Contudo, a análise de custos foi bem estruturada, abrangendo os pontos mais relevantes para o estudo e a perspectiva escolhida é de suma importância para validade interna e externa. Apesar de algumas limitações metodológicas, o estudo possui validade interna e o caráter multicêntrico implica validade externa, ou seja, pode ser extrapolado para diferentes populações. O modelo foi sensível à variação dos custos dos medicamentos anti-hipertensivos no tratamento do AVC e da insuficiência cardíaca, mas não demonstrou variações significativas nos resultados, reafirmando a robustez do modelo. A efetividade – 16-17 dias adicionais por paciente, a priori parece pequeno. Seria necessário fazer comparações com outras intervenções que tivesse o objetivo de aumentar a expectativa de vida dessa população.  Seria interessante que os autores tivessem avaliado a qualidade de vida dos pacientes, pois provavelmente teria maior repercussão e apresentaria um quadro mais completo de como o cuidado a saúde afeta os pacientes.

A medida de efetividade da análise realizada no HYVET como desfecho primário foi a redução de AVC fatal e não-fatal. A redução observada permitiu o cálculo do número de pacientes que deveria ser tratado (NNT) para prevenir um óbito no período de dois anos. No caso do AVC, o NNT=94. Como os pacientes do estudo eram mais saudáveis do que a população geral, com menor prevalência de eventos cardiovasculares prévios no início do estudo, os pesquisadores ressaltam que esse NNT pode estar superestimado e que seria possível considerar um NNT de 40. Levando isso em consideração o tratamento, na verdade, é mais efetivo e a Razão Incremental de Custo-efetividade (RICE) calculada é superestimada.

É preciso salientar ainda a importância da análise de custo-efetividade empreendida pelos autores no momento em que ocorre mudança da pirâmide demográfica brasileira, que deverá seguir a trajetória da pirâmide demográfica europeia. Assim, poderia ser enfatizado o benefício do tratamento anti-hipertensivo de indivíduos idosos com 80 anos ou mais.

Data da Resenha:
16/07/2010
Eixo Temático:
Hipertensão Arterial/Diabetes Mellitus/Obesidade/Terapias
Eixo Metodológico:
Análises Econômicas

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