Doença de Chagas e coinfecção SARS-CoV-2 não levam a piores desfechos hospitalares: resultados do Registro COVID-19 Brasileiro

Resenha do artigo:
ROMERO, Israel Molina et al. Chagas disease and SARS-CoV-2 coinfection does not lead to worse in-hospital outcomes: results from the Brazilian COVID-19 Registry. medRxiv, 2021. https://doi.org/10.1101/2021.03.22.21254078

A doença de Chagas continua sendo um grande problema de saúde pública na América Latina, onde pode ocorrer a coinfecção com SARS-CoV-2. A Covid-19 apresenta um amplo espectro de manifestações clínicas, desde casos assintomáticos até pneumonia grave e síndrome do desconforto respiratório agudo. Comorbidades subjacentes têm sido amplamente associadas a um pior prognóstico, uma vez que infecções virais podem atuar como gatilhos para o agravamento de doenças crônicas. A doença de Chagas é um distúrbio multissistêmico, que pode afetar o sistema cardiovascular, digestivo e neurológico. É a causa mais comum de cardiomiopatia infecciosa em todo o mundo e pode desempenhar um papel no prognóstico clínico de pacientes com Covid-19. No entanto, faltam evidências sobre a interação entre Covid-19 e a doença de Chagas. Portanto, o objetivo deste estudo foi avaliar as características clínicas e os desfechos intra-hospitalares de pacientes com a doença de Chagas e COVID-19, e compará-los com pacientes sem a doença de Chagas.

Os pacientes foram selecionados do Registro COVID-19 brasileiro, um projeto de coorte multicêntrico prospectivo com 37 hospitais participantes de 17 cidades e cinco estados brasileiros (Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo). O diagnóstico de doença de Chagas foi baseado no registro hospitalar no momento da admissão. O pareamento genético para sexo, idade, hipertensão, DM e hospital foi realizado na proporção de 4: 1. No momento da análise 7.018 pacientes haviam sido incluídos no registro, 31 deles foram classificados como portadores da doença de Chagas.

Dos 155 pacientes incluídos no estudo, 31 foram relatados como portadores de doença de Chagas e 124 eram controles pareados. A mediana de idade foi de 72,0 (64,0-79,5) anos e 44,5% eram do sexo masculino. Hipertensão (65,8%), DM (32,3%), doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) em (16,7%), insuficiência cardíaca crônica (12,9%) e fibrilação atrial (10,3%) foram as comorbidades mais frequentes. Os pacientes eram de 11 hospitais, com média de 382 leitos (variando de 60 a 936 leitos). Nove deles (81,8%) eram públicos, 7 (63,6%) eram hospitais de ensino e 8 (72,7%) eram centros de referência para o tratamento do COVID-19. Ao comparar os pacientes com a doença de Chagas com os pacientes do grupo controle, não houve diferenças significativas nas características demográficas e médicas, exceto para a prevalência de insuficiência cardíaca crônica (8 [25,8%] vs 12 [9,7%]; p = 0,031) e fibrilação atrial (9 [29,0%] vs 7 [5,6%]; p <0,001), que foram mais prevalentes em pacientes com doença de Chagas. Embora o número médio de comorbidades tenha sido maior em pacientes com doença de Chagas (3,0 [2,0, 4,0] vs. 2,0 [1,0, 3,0]), essa diferença não atingiu significância estatística (p = 0,119). Dispneia e tosse (seca ou produtiva) estiveram presentes em mais da metade dos pacientes. Não houve diferença na apresentação clínica entre os dois grupos.

Quanto aos exames laboratoriais, a mediana da proteína C reativa foi menor em pacientes com a doença de Chagas do que no grupo controle (55,5 [35,7, 85,0] vs. 94,3 [50,7,167,5] mg / dL). Não houve outra diferença clinicamente relevante nos exames laboratoriais entre os grupos.

Também não houve diferenças quanto à estratégia terapêutica entre os dois grupos, exceto pela tendência de maior frequência de anticoagulação terapêutica em pacientes com doença de Chagas (19,3% vs. 10,5%, p = 0,206). Durante a internação, 72 (46,5%) dos pacientes necessitaram de internação em unidade de terapia intensiva, sendo que 55 (35,4%) necessitaram de ventilação mecânica e 26 (16,8%) de terapia renal substitutiva. No geral, não houve diferenças em termos de evolução clínica e desfechos.

Embora a coinfecção por Trypanosoma cruzi e SARS-COV-2 possa representar um risco de complicações e, portanto, um pior prognóstico, em nossa coorte não encontramos diferenças significativas em termos de apresentação clínica e desfechos de pacientes com a doença de chagas em relação ao grupo controle, apesar de maior frequência de insuficiência cardíaca crônica e fibrilação atrial no início do estudo. Observamos níveis mais baixos de proteína C reativa em pacientes com a doença de chagas, quando comparados ao grupo controle, o que merece uma investigação mais aprofundada.

Esta pesquisa contou com o financiamento da FAPEMIG, IATS e CNPQ, que foi essencial para a execução do estudo, pois possibilitou a atuação de bolsistas que apoiaram na organização do projeto, coleta e revisão de dados e formatação de artigos. Instituições como a FAPEMIG, IATS e CNPQ são fundamentais para o desenvolvimento do conhecimento científico e desenvolvimento do país.

Elaborada por
Milena Soriano Marcolino
Luana Martins Oliveira
Data da Resenha
07/07/2021
Eixo Temático
Doenças Infecciosas e Tropicais
Eixo Metodológico
Pesquisas Epidemiológicas

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