Metanálise de ivermectina em COVID – análise crítica

Resenha do artigo:
Andrew Hill, Ahmed Abdulamir, Sabeena Ahmed et al. Meta-analysis of randomized trials of ivermectin to treat SARS-CoV-2 infection, 19 January 2021, PREPRINT (Version 1) available at Research Square [https://doi.org/10.21203/rs.3.rs-148845/v1].

Houve muita atenção na mídia, assim como rede sociais, sobre uma metanálise disponibilizada no início de janeiro de 2021, em formato de preprint (porém até hoje, final de maio de 2021, ainda não publicada) sobre ivermectina em COVID, que teria mostrado uma redução de mortalidade de 75%, vide a figura do início desse artigo. Nos próximos parágrafos, faço minha análise crítica do estudo.

Curiosamente, antes desse preprint, os autores divulgaram um vídeo no youtube apresentando os resultados. Esta pandemia tem colocado, pela primeira vez na história, peso (demasiadamente) importante em estudos ainda não publicados, disponíveis apenas como pre-prints. Mas este foi, ao menos do meu conhecimento, o primeiro estudo que lançou um vídeo no youtube como primeiro material de divulgação dos seus resultados.

Bom, a primeira – e talvez mais importante – informação sobre o estudo é: não apenas o mesmo é um preprint, mas todos os 6 estudos que forneceram dados sobre mortalidade são preprints. Desse modo, nenhum dos estudos incluídos teve sua qualidade avaliada por um processo de revisão em pares. A recente retratação de Didier Raoult – sobre seus resultados em cloroquina previamente à revisão por pares – ressalta a importância desse processo para a melhor qualidade de estudos científicos.

O segundo aspecto que chama atenção são os países onde os seis ensaios clínicos foram executados: Irã, Iraque, Índia, Bangladesh, Turquia e Egito. Tentando analisar de forma imparcial, e sem nenhum preconceito em relação a estes países: jamais na história da medicina tivemos, em uma doença com impacto mundial, alguma metanálise que envolvesse 0 estudos realizados na Europa, Estados Unidos, Japão, China, Brasil e Oceania. Em especial, Europa, Estados Unidos e Brasil concentram, somados, mais de 50% de todos os casos de COVID no mundo. Estariam esses países “tapando os olhos” para os potenciais benefícios da ivermectina? Certamente não é o caso, e sim, é muitíssimo provável que vários estudos adequadamente desenhados estejam sendo conduzidos nestes países, e ainda não tenham sido finalizados. É muito raro termos alguma intervenção, em um desfecho tão primordial como mortalidade, uma redução de risco de mais de 25-30%. E para demonstrar essa magnitude de benefício, estudos com centenas, eventualmente alguns milhares de pacientes são necessários – e, portanto, esses estudos provavelmente não foram finalizados.

A próxima observação primordial sobre os estudos incluídos é a sua qualidade metodológica. Não cheguei a fazer minha própria análise; me baseei no que os autores apresentam na tabela suplementar 1.

O estudo com maior redução de mortalidade (improváveis 92% de redução) é o trabalho egípcio. Dos 6 domínios de qualidade, a avaliação classificou como “não claro” 4 domínios, e com alto risco de viés um dos outros 2. Ou seja, a qualidade aqui é péssima; ainda que “não claro” não signifique, com certeza, que o estudo é de má qualidade, chama atenção que o artigo é certamente muito mal escrito, não permitindo julgamento de sua qualidade. Mas, estranhamente, o autor desse estudo é coautor da metanálise. Se o preprint era todo “não claro”, no momento que a metanálise foi escrita, esse coautor não poderia clarificar?

O próximo estudo com maior tamanho de efeito (Kirti) foi avaliado como baixo de risco de viés em todos os domínios. O seguinte, Mahmud, é classificado como de alto risco de viés, já que 21% dos pacientes randomizados não foram incluídos na análise (o que é gravíssimo, em termos de confiabilidade no estudo). O quarto estudo, Niaee, só tem um quesito avaliado como não claro, demais todos baixo risco. Mas, novamente para surpresa, esse também é co-autor da metanálise, ou seja, ele mesmo poderia ter resolvido esse problema de relato. O estudo seguinte, de Hashim, é tão ruim que deveria ter sido descartado. A premissa básica de um estudo randomizado é, justamente, que seja randomizado. E o processo de alocação do estudo foi baseado em data de entrada, o que não é um processo de randomização. Dessa forma, esse estudo não deveria ter sido incluído, o que tiraria 16% do tamanho da amostra da metanálise. Por fim, o último trabalho, Okumus, recebeu “não claro” em 5 dos 6 domínios. Para a minha (não mais) surpresa, esse pesquisador também era coautor da metanálise.

Alguns outros aspectos dignos de nota:

  • Os autores não apresentam sua estratégia de busca, não sendo possível avaliar se a maneira de buscar os estudos foi adequada – o que é um dos pilares de uma revisão sistemática bem-feita.
  • Todos os estudos são positivos, não há nenhum estudo neutro ou negativo. Isso sugere viés de publicação.
  • Foram encontrados 18 estudos randomizados, mas somente 6 teriam provido dados de mortalidade. Não há absolutamente NENHUMA dificuldade em avaliar mortalidade, portanto, não há razão para apenas 1/3 dos estudos terem a relatado. Isso sugere viés de relato seletivo.
  • Com todos esses problemas, definitivamente não é possível traçar qualquer conclusão, e se houver de fato algum efeito da ivermectina, ele ainda não foi mostrado de forma adequada.
Elaborada por
Rodrigo A. Ribeiro
Data da Resenha
27/05/2021
Eixo Temático
Doenças Infecciosas e Tropicais
Eixo Metodológico
Metanálises

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